A idéia de escrever sobre o assunto foi
o ponto de partida para um mergulho interior, já que praticá-lo se faz
pré-requisito para teorizá-lo. Assim como no exemplo de Carl Gustav Jung
(1875-1961), psiquiatra suíço que diferenciou-se da Psicanálise de Freud –
dominante na época – e criou a Psicologia Analítica (ou Jungiana) a partir de
um contato mais profundo consigo mesmo.
E
por que entrar em contato consigo mesmo é entrar em contato com a nossa alma?
Porque, independente de religião ou crenças, utilizamos a palavra alma nos
referindo à essência, àquela parte primordial da qual depende todo o resto da
experiência do ser – humano ou não. É da alma aquilo que é íntimo, profundo,
central, assim como o pedaço de madeira ou metal entre a sola e a palmilha de
um sapato.
Complexa,
nossa alma é um mundinho próprio que determina como percebemos o mundo ao nosso
redor; um verdadeiro infinito
particular, como diria Marisa Monte.
Milton
Erickson (1901 – 1980), outro grande psiquiatra, criador da Hipnose Moderna e
da Psicoterapia Breve Estratégica, ensinou que todos temos dentro de nós tudo o
que precisamos para solucionar nossos problemas – o que nós chamamos de Parte
Sábia. Podemos atingir esses recursos e informações acessando o nosso
inconsciente, assim como Erickson o compreendia: um baú dos tesouros. Tudo o
que vivenciamos, todas as nossas experiências e o que absorvemos delas são
armazenadas e nós nunca chegamos a conhecer todo esse conteúdo. Por isso às
vezes nos surpreendemos com uma idéia genial surgida justamente nos momentos de
descontração, quando não estávamos nos esforçando em raciocinar sobre aquilo.
Diferentemente do que costumamos valorizar no dia-a-dia, o inconsciente
funciona através do simbólico, do artístico e integrativo. E ora se não é
exatamente os meios por quais entramos em contato com a nossa alma! Somos
realmente tocados por aquilo que é capaz de nos reunir no aqui e agora, nos
re-unir com nós mesmos; juntar tudo aquilo que Eu Sou e estar naquele momento por
inteiro: “de corpo e alma”.
Para
entrar em contato com a nossa alma não precisa muito, basta ouvir uma música
que gostamos de olhos fechados; cantar como se a voz fosse um filho a nascer;
“dançar como se ninguém estivesse olhando”; ler um poema e sentí-lo ao ponto de
achar que é seu; apreciar uma obra-de-arte – que é tudo e todos que lhe dilata
as pupilas; olhar nos olhos e ouvir o silêncio... enfim, cada um sabe como
chegar a si, pois cada um é dono do seu próprio caminho. E vários são os
caminhos para se chegar a um mesmo destino...
Além
do desfrute, todos os exemplos acima citados podem levar a pessoa a um estado
alternativo de consciência. Hipnose é antes de tudo um momento de contato
consigo mesmo. Para Erickson toda hipnose é um auto-hipnose; mesmo sendo
conduzido, entregar-se depende completamente de você, e é o seu Eu quem
definirá o rumo a seguir.
Esse
Eu, na Teoria Jungiana, é representado pela palavra Self, que é o centro
da personalidade, a qual se estrutura em diferentes sistemas que inter-relacionam-se,
a saber: o ego, o inconsciente pessoal e seus complexos, e
o inconsciente coletivo e seus arquétipos,
a anima e o animus e a sombra, além
das atitudes de introversão e extroversão e as funções do pensamento,
sentimento, sensação e intuição.
Sem
entrar em detalhes sobre cada um desses sistemas, podemos esclarecer alguns
pontos. O ego pode ser compreendido como o centro da consciência; uma
parte da personalidade total que, influenciada pelo Self, tem a tarefa de
equilibrar as necessidades deste com as exigências do mundo externo. Exigências
essas que dão origem à persona: a máscara assumida por nós que facilita
o convívio social. Tal como uma roupa que vestimos de acordo com o evento, as
máscaras podem variar dependendo do papel esperado de nós. A capacidade de
adaptação é uma virtude, portanto o perigo está quando o indivíduo limita-se ao
ponto de identificar-se com a persona e esquecer Quem Realmente É. A
alma humana não é limitada: é dinâmica e criativa; pulsa, vibra, transforma-se
e provoca transformações.
Para
Jung, a psique – totalidade dos processos psíquicos, conscientes e
inconscientes – (do grego psykhé = alma)
caminha sempre na direção do seu próprio centro, da unicidade, o que é chamado
de individuação. Este processo de conhecer a si mesmo e integrar-se novamente
não ocorre linearmente, e é uma busca constante, como as águas de um rio sempre
a fluir em direção ao oceano.
O
homem tem mantido uma concepção de mundo dividido em polaridades, como se tudo
devesse (e como se pudesse) ser apenas preto ou branco; ser bom ou mau; ser ou
isso ou aquilo. Entretanto, onde há luz há sombra e tudo que existe pressupõe a
antítese. Observe-se no espelho e atente para o fato de que a sua imagem
refletida naturalmente está com os lados trocados... A sombra descrita
por Jung reflete justamente aquilo que a personalidade não expressa
conscientemente, e que mesmo assim existe, para torná-la possível. É o
contrapeso que equilibra a balança do ser.
Similarmente,
dentro de todos nós convivem polaridades que se complementam: a anima e
o animus. O homem, que expressa conscientemente o lado masculino da sua
personalidade, também possui dentro de si o seu lado feminino; e vice-versa.
Permitir-se uma integração de ambos é deixar aflorar a plenitude da sua
sabedoria. Pois, assim como o lado direito e o lado esquerdo do cérebro
absorvem e processam as informações de modos diferentes, o homem e a mulher
funcionam de forma diversa e ambos têm muito a aprender e ensinar um ao outro.
É a união dos diferentes saberes que faz a sabedoria. Então aquela Parte Sábia
talvez não seja uma “parte”, mas sim a união no Todo. Ou não?
Os
hemisférios cerebrais são delimitados e têm seus próprios modos de funcionar,
mas trabalham em conjunto. Fisicamente, há um órgão que faz a ligação entre
eles: o corpo caloso – a possibilidade de união concretamente garantida.
Normalmente há o predomínio de um lado: nos homens do hemisferio esquerdo,
linear, lógico, racional; e nas mulheres do hemisferio direito, intuitivo,
artístico, que reconhece as emoções e processa a integração das partes. O que
falta em um, o outro preenche. Teresa Robles, uma antropóloga e psicóloga
ericksoniana do México, afirma que “a Hipnose é uma linguagem especial onde se
desenvolve um estado de melhor comunicação entre os dois hemisférios
cerebrais”. A genialidade de Milton Erickson estava justamente na sua
capacidade de utilizar ambos os lados em busca de um mesmo objetivo, de forma
que observava atentamente as pessoas (sensação) e intuitivamente produzia um
pensamento adequado para afetá-las (sentimento) no ponto certo. Utilizando
assim equilibradamente todas as funções psicológicas descritas por Jung:
sensação, intuição, pensamento e sentimento.
Além de extrair o máximo dos seus momentos de introspecção para tomar
uma atitude extrovertida bem elaborada e eficaz, sempre que os outros
necessitavam.
É
uma idéia bem difundida a de que utilizamos apenas uma pequena porcentagem da
nossa capacidade cerebral. Provavelmente esta melhor comunicação entre os dois
lados seja meio caminho andado no desenvolvimento do nosso potencial. Jung
acreditava na união dos contrários a partir do que ele chamava de “função
transcendente”: uma capacidade de transcender a tendência destrutiva de
empurrar (ou ser empurrado) para um ou para outro lado, permitindo o confronto
entre os opostos em termos iguais, numa totalidade. Isto se daria através de um
símbolo, que é uma forma complexa nem racional nem irracional, mas as duas
coisas ao mesmo tempo; que aproxima
consciente e inconsciente e permite uma síntese.
De acordo com Jung "um símbolo não traz explicações;
impulsiona para além de si mesmo na direção de um sentido ainda distante,
inapreensível, obscuramente pressentido e que nenhuma palavra de língua falada
poderia exprimir de maneira satisfatória".
A alma do homem e da mulher, tudo aquilo que ele e ela É,
expressa-se plenamente por meio da linguaguem simbólica, devido a sua singular
complexidade. Assim, para fechar com chave de ouro, ofereço um poema nascido do
encontro com a minha alma, no processo que foi escrever este texto:
Toda. É assim que serei
inteira e completa. Sendo eu no eterno vir a se tornar. Totalmente inundada e
preenchida de todos os tempos do mundo, para me tornar certa de nunca ter sido
outra. Por já não ter sido tantas vezes, aceito a mim. Aceito tu e vocês, elas
e os outros. Todos tão calmos, mas surrupiados do Dono. Tendo seus postos
alheios a serem. Para terem, não são, só sonham e tentam acreditar. Tocando-se
tornam-se e voltam ao Ser Central que é universo eterno e infindável de outros,
não são eu. Volto a mim. E agora posso tocar tu e mostrar que és, porque Eu
Sou.
Camila Sousa de Almeida
*Texto escrito em janeiro de 2010. Estava guardado no meu baú... :)
Um tesouro guardado a tempo tempo em seu baú. Que bom que finalmente dividiu essa riqueza ;)
ResponderExcluirSabiamente inspirada, sabiamente rica. Que bom poder usufruir dessa dádiva!
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