Tudo é metáfora!
Giovana Camillo – PUCRS
Este texto tem por objetivo apresentar um apanhado superficial sobre o estudo da metáfora vista como um processo natural da linguagem humana em uso. Exemplifica casos os quais não nos damos conta que sejam metáforas, mesmo procedendo como tal, quando explicamos, conceituamos ou comparamos algo concreto ou abstrato de nosso cotidiano, e encerra mencionando o fato de que usamos da metáfora para poder expor um conceito ou explicação que não conseguiríamos através de palavras ou expressões literais, pois correria o risco de perder o significado daquilo que se quis dizer.
O estudo primário sobre Metáfora em nossa vida inicia na escola, quando a conceituam como uma alteração de significado baseada em traços de similaridade entre dois conceitos; uma palavra que designa uma coisa passa a designar outra, por haver entre elas traços de semelhança; é, pois, uma comparação implícita, isto é, sem conectivo comparativo1. Isso nos fica claro principalmente ao lermos textos poéticos, que são fontes de metáforas. Porém, este assunto vai mais além, perpassa nosso dia a dia sem nos darmos conta disso.
Segundo Lakoff e Johnson, a metáfora não é apenas uma questão de linguagem ou de palavra, ao contrário, os processos do pensamento humano é que são em grande parte metafóricos, ou seja, o sistema conceitual humano é estruturado e definido metaforicamente, possibilitando assim metáforas também na linguagem que utilizamos2.
No filme O Carteiro e o Poeta (1994), o personagem que representa o poeta Pablo Neruda dialoga com um carteiro, Mário Ruoppolo, durante diversas cenas do filme, sobre metáfora. O carteiro gostaria de aprender a “fazer” metáforas para conquistar as mulheres (depois somente à Beatrice) e pede ao mestre Neruda que o ajude. Este poeticamente lhe pede que observe a baía, o movimento do mar etc. E, em um dos diálogos, Mário Ruoppolo conclui: “Não sei se consigo explicar, mas... quer dizer que todas as coisas, o mar, o céu, as nuvens, etc., etc., o mundo inteiro é uma metáfora de alguma coisa?”.
De fato, tudo o que está em nossa volta serve-nos como metáfora para explicarmos sentimentos, ações, estados. Inclusive o campo da ciência, do qual se espera explicações literais, diretas, vê-se envolvido por diversas metáforas, tais como as “redes”, a placa “mãe”, na ciência da informática, as células “mãe”, “órfãs”, “tronco”, nas ciências biológicas, dentre outros exemplos que poderíamos citar.
Há autores que dividem a metáfora em Lingüística e Conceitual. A metáfora lingüística seria aquela que se materializa verbalmente pelo falante de uma língua e a metáfora conceitual a que se estrutura no pensamento humano. As metáforas lingüísticas podem ser classificadas como “mortas” e “vivas”. A metáfora morta é aquela que na verdade não é mais uma metáfora e sim uma simples expressão que não tem mais um uso metafórico 3. Os autores acima citados (Lakoff e Johnson) dão como exemplo às metáforas mortas a palavra “pedigree”, originária da língua francesa “ped-de-gris”: pata de uma ave que se assemelha a um diagrama de uma árvore genealógica, a qual entrou no léxico inglês para designar qualidades ancestrais dos indivíduos ou artefatos. Outro exemplo é a frase “Já perdi muito tempo na vida!”, na qual podemos desprender a metáfora “Tempo é Dinheiro”, dando ao Tempo, abstrato, valor equivalente ao dinheiro, concreto, o qual nos aborrece quando empregamos mal ou o perdemos.
Um exemplo de metáfora conceitual é a metáfora de canal (Reddy, 1979), explicada assim: as expressões lingüísticas (palavras, sentenças, parágrafos, livros, etc.) são comparadas a vasos ou canais nos quais pensamentos, idéias, sonhos são despejados e dos quais eles podem ser retirados exatamente como foram enviados, realizando uma transferência de posse (GREEN, 1989 in: PAIVA, 1998). Como exemplo: “Não consigo pôr minhas idéias em prática”; “Quem te deu essas idéias?”; Este livro não traz nada de interessante”4.
Para entendermos a metáfora, precisamos de um amplo conhecimento de mundo, pois são baseadas nas experiências física e cultural que temos, e de noções de espaço, relações do tipo para cima – para baixo, dentro – fora, frente – traz, central – periférico (Metáforas Orientacionais). Exemplo disso é quando dizemos “alto” astral, me sinto “abaixo” de todos, estou por “fora!”. Disso desprendemos que em cada cultura criam-se diferentes metáforas, pois são realidades, vivências distintas, e que, a partir da análise dessa realidade, dessas vivências, podemos compreender o modo de pensar e agir do homem. Como demonstram Lakoff e Johnson: “nenhuma metáfora pode ser compreendida ou até mesmo representada de forma adequada independentemente de sua base experiencial”5.
Segundo Davidson (1984):
“De fato, não há limite para aquilo a que uma metáfora chama à nossa atenção, e muito do que nos é feito perceber não é de caráter proposital. Quando tentamos dizer o que uma metáfora significa, logo percebemos que não há limite para o que queremos mencionar... Muitos de nós precisamos de ajuda para que cheguemos a ver o que o autor da metáfora queria que víssemos...6”
Desta forma, podemos analisar também as metáforas que não percebemos fazer parte de nossos pensamentos, de nossas atitudes e anseios, como a Metáfora da Felicidade! Todos nós queremos ser felizes, porém, não sabemos ao certo o que é a sonhada Felicidade. Cria-se um conceito de Felicidade diferente do estado de felicidade, de se estar ou ser feliz. Almejamos a Felicidade, vivemos em busca dela, porém, ninguém consegue explicar o que realmente se quer, o que realmente se deseja e quando a alcançaremos. Esta, como outras metáforas cotidianas, como a metáfora do futuro, tendem a ser explicadas por meio de parábolas, por vezes confundido o conceito desta com o da metáfora, pois ambas explicam o significado de algo de forma figurativa.
E quando tentamos obter paráfrases literais a partir de proferimentos metafóricos para não se utilizar de metáforas quase sempre não conseguimos achar a palavra que explique o que queríamos dizer, ou expressar, por falta de uma que complete o sentido que a metáfora carrega. Como afirma Bergmann (1991):
Quando nos referimos a alguém como um Quintana, que pode ser interpretado metaforicamente como alguém que se refere à vida e às coisas de forma simples, trivial, que se apaixona por fatos comuns do cotidiano e lamenta os lugares por onde não tenha passado, não podemos traduzir literalmente esta proposição por uma palavra ou expressão sem que haja perda do sentido.
Com base na explanação acima, voltamos ao fato de que a metáfora não pode ser compreendida somente como uma figura de linguagem, mas sim de pensamento e de ação. Que está latente em nosso cotidiano e que muitas vezes a utilizamos, sem ao menos termos ciência de que a expressão ou palavra originou-se de uma metáfora; e, por falta de um léxico que a substitua sem que ocorra perda do significado em questão, fazemos uso deste canal tão rico.
Referências
1. Terra, Ernani. Curso Prático de Gramática. São Paulo: Scipione, 2002.
2. UFRJ. George Lakoff – Sistema Conceitual e Metáfora. http://www.igeo.ufrj.br/gruporetis/sig/tiki-index.php?page=GeorgeLakoff
3. Carvalho, Sérgio N. de. A metáfora conceitual: uma questão cognitivista. UERJ/EN/UNESA. http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno12-04.html
4. Spanghero, Maíra. A mi me encantam las metáforas. http://revcom.portcom.intercom.org.br/index.php/galaxia/article/viewFile/1347/1120
5. Finger, Ingrid. Metáfora e significação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.