Hoje em dia uma das frases que mais se ouve falar é “o mundo ta perdido”; e a gente pode escutar isso pelos mais diversos motivos. Alguns comemoram o fato de muitas coisas estarem diferentes; enquanto outros lamentam o que não é mais como antes, como “no seu tempo”. Claramente hoje temos mais liberdade, e isso nos faz ter que conviver com o que discordamos; mas poder falar que não concordamos e escutar que discordam da gente.
Sobre a atual polêmica do kit gay a ser distribuído nas escolas brasileiras, circula na internet um vídeo feito por um anônimo, dando a sua opinião sobre o assunto. Ouvi e também quis falar. No meu caso, escrevo, porque sei que muitas pessoas que não pensam sozinhas no assunto podem ouvir ou ler os argumentos e a partir disso criar suas próprias opiniões.
O “mascarado polêmico” começa falando que “o Congresso Brasileiro está perdendo o senso de moralidade”. Penso eu que o Congresso deve servir ao povo e com a palavra povo quero dizer todo e qualquer cidadão. Se moral é um conjunto de normas de conduta consideradas mais ou menos absoluta e universalmente válidas, não depende da própria sociedade a que esta moral se refere, a validação de tais normas? Se existe um grupo em relevante quantidade, com argumentação embasada cientifica e politicamente, que apresenta soluções para um problema social que mantém a injusta desigualdade entre os cidadãos do país, o que teria de moral em ignorá-los?
Segundo o mascarado, o kit está “pondo o que é absurdo como normal”. Poderia eu fazer o mesmo comentário a respeito das idéias que o vídeo expõe, pois fala como se as crianças pudessem ser educadas para ter alguma orientação sexual específica; como se “ser homem” fosse o contrário de “ser gay”; como se apenas a escola fosse responsável pelo que a criança aprende; como se a distribuição de camisinhas aliada à explicação sobre sexualidade na escola fosse a única variável causadora da iniciação sexual precoce e promiscuidade de meninos e meninas. Será mesmo que as coisas são tão simplistas assim?
Ele diz que “a criança que ta na idade escolar ainda não tem caráter pronto, não tem a consciência definida. Se você se utiliza de meios influenciativos na escola, é claro que a criança vai dar ouvido”. Só na escola? Será que a família, os amigos, a mídia não influencia?! Uma criança e principalmente um adolescente não vive só na escola, ela aprende onde ela estiver, e se a escola tem o papel formal de educar ela tem o dever de orientar para os desafios do mundo; e em todo lugar convivemos com pessoas diferentes de nós... Você acha que o “certo” seria a escola dizer que “ser gay” é errado? O que o aluno gay acharia? Ou melhor, como se sentiria? O que aprenderia? Se os Conselhos Federais de Medicina e Psicologia negam a idéia de que a homossexualidade é uma doença, por que a escola lidaria diferente com isso?
Ele diz que “quem sempre sofreu bullying na escola foi o gordo, o baixinho. E quem na verdade sempre sofreu preconceito foi o preto. E eu não via absolutamente ninguém distribuir um folheto sequer sobre desigualdade racial nesse tempo”. Bem, pelo que sei, a luta contra o bullying e pela igualdade racial existe hoje de muitas formas, e se não existia na escola do mascarado, no tempo dele, eu não considero isso sequer um argumento plausível contra ações pela igualdade, do que quer que seja, atualmente. Se antes não se fazia nada para mudar algo e hoje se faz, que bom! Entro no grupo daqueles que acham bom então as coisas terem mudado...
O mascarado diz que os políticos não estão interessados em realmente melhorar a educação, pois se estivessem realmente preocupados com isso não faltaria mais merenda nas escolas, entre outras coisas. De fato, é um absurdo este problema. Mas, a título de informação, O Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, conhecido como Merenda Escolar, consiste na transferência de recursos financeiros do Governo Federal, em caráter suplementar, aos estados, Distrito Federal e municípios, para a aquisição de gêneros alimentícios destinados à merenda escolar. Não cabe aos parlamentares a responsabilidade pela falha neste quesito. Além disso, será que não ter um problema resolvido é motivo para não se resolver outro?
Ele reclama que se você não concorda com a “ideologia GLS” você já é tido como homofóbico. Nesse caso, gostaria de maiores explicações do mascarado, pois desconheço uma “ideologia GLS”... Conheço as orientações sexuais homoafetivas, conheço pessoas da mesma orientação sexual que possuem ideologias diferentes e conheço as reinvindicações do grupo LGBT – que luta pelo respeito aos direitos que todo cidadão tem (ou deve ter), inclusive o mascarado, provavelmente.
“Eu tenho todo direito de gostar de futebol sem brincar de boneca” o mascarado diz. Com certeza, nada de errado com esta declaração. Mas quem disse que ensinar às crianças que não há nada de errado com o colega que gosta de coisas diferentes é dizer a elas que o que elas gostam ou fazem é errado?! Se a proposta é justamente respeitar as diferenças, porque se tentaria igualizar todos? “Não sou obrigado a por o gay acima de todos” é mais uma declaração inexplicável, pois a proposta é tirá-los de uma condição mais baixa em relação aos outros. O mascarado utiliza o direito constitucional de “igualdade” para dizer que “se vai ter cartilha gay, vai ter que ter cartilha hétero”, mas ele mesmo reclama no início do vídeo das orientações sobre sexualidade que tiveram na escola, na época dele. Aquela era a “cartilha hétero”!
E para finalizar, e não continuar infinitamente contra-argumentando, gostaria de comentar a acusação de que o governo está “gastando dinheiro público para influenciar teu filho a virar pro outro lado”: quem disse que teu filho é desse lado? Os filhos podem estar de todos os lados... mas ninguém precisa ficar do lado de cima, nem de baixo...
Camila Sousa de Almeida
Nenhum comentário:
Postar um comentário