E eles viveram felizes para sempre. Seja lá quando isso for. Assim acaba essa história. Porque tudo o que começa acaba. Murilo teve sua primeira visão quando nasceu: vislumbrou sua morte, de infarto, debruçado numa janela. Abriu o berreiro. E nunca se esqueceu dessa visão, estranhamente.
Mais tarde, na infância, os filmes o entediavam: nos créditos iniciais já sabia que o casal viveria feliz para sempre. Os filmes de comédia não tinham mais graça e os de suspense não davam susto. Desistiu de assistir "Lost" no primeiro capítulo.
Tornou-se um sujeito tímido, introvertido. Bastava que fizesse um novo amigo para que antevisse o momento em que eles romperiam ou a morte de um dos dois. Beber era difícil. No primeiro gole, visualizava a ressaca.
Um dia, apaixonou-se à primeira vista. Foi travar uma conversa. Imediatamente a viu horrenda, assinando os papéis do divórcio. E isso aconteceu repetidas vezes: viu uma dando um tiro no peito, outra comprando passagens de ônibus só de ida para Friburgo. Murilo foi, pouco a pouco, se afastando da companhia das pessoas, para não ter que começar nada que tivesse que acabar. E viveu um tempo longo em que nada começou.
Até que a visão de sua morte, tão jovem, começou a assombrá-lo. Podia acontecer a qualquer momento. Murilo se olhou no espelho e viu que ele estava se transformando no homem da sua visão: tinha engordado um pouco. Perdeu cabelo.
Não demorou muito para que ele percebesse que era melhor viver as coisas sabendo do final delas do que não viver nada. E redescobriu o prazer de viver o miolo das coisas. Passou a tentar adivinhar como é que as coisas chegariam a ser o que ele já sabia que elas se tornariam. Percebeu o quão pouco importam o começo e o final: o barato está, pensou ele, em como é que uma coisa vai dar na outra. Fez novos amigos, conheceu mulheres, se apaixonou algumas vezes. E a história poderia acabar aqui, com nosso protagonista aprendendo a viver um dia de cada vez, encarando com tranquilidade a finitude das coisas. Mas não foi bem assim, como sabemos.
Certo dia, numa praça, viu uma mulher linda e resolveu puxar conversa. E disse "Opa", como quem diz "Oi". E parou por aí, espantado. Porque não viu final nenhum. Ficou aflito. "Que é que houve?", disse ela. "Não tem final", disse ele. "O quê?", disse ela. "Nossa história", disse ele. "Não tem final." "Mas precisa ter?", disse ela. "Não, não precisa", disse ele. "Não precisa."
E eles viveram felizes para sempre. Seja lá quando isso for.
Gregorio Duvivier
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