Eles moravam na beira da estrada.
Por um lado, pois do outro era mata. Ela não era fechada: todos os dias as
crianças entravam adentro para se divertir e colher alimentos. Diziam brincar
de “se perfumar por dentro”, “colorir o sangue de vermelho” e “lavar a roupa do
avesso”. Pisando na terra, pegando sol, lua e chuva, correndo com bicho e
subindo em árvore; era assim a escola deles, pois ninguém ali estudava, mas
todo mundo aprendia. A vida era simples demais pra qualquer um querer
complicá-la.
Mas as coisas do mundo não são
como as coisas da natureza: o humano é capaz até de perder a humanidade. Um
grupo desses, que se dizia ser o que não era, derrubou todas as casas da região,
mesmo sem ter ido lá. Quem ali vivia teve que se mudar: não fazia diferença ser
gente, bicho ou planta.
Mas ainda bem, nem tudo muda...
As crianças crescidas, mesmo sem saber nem a própria idade, eram muito sabidas!
Foram viver em outra margem, agora na cidade. E lá começaram a chamar os outros
pra brincar aquelas brincadeiras que, apesar da escolaridade, quase ninguém lá
tinha aprendido. Impressionaram-se eles com a ignorância dos ditos sabidos, mas
justamente por isso tinham muito que ensinar.
A brincadeira foi ficando séria
quando os fracos foram se fortalecendo; os ansiosos se tornando calmos e os
medrosos aprendendo a se enraizar... Todo mundo queria entender o poder por
trás da simplicidade da bebida colorida que misturava água com flores; de
respirar fundo sem calçar sapato; de beber água natural o tempo todo; de comer
fechando o olho; de deixar a chuva molhar a cabeça, o corpo, e ainda dançar!
Ainda sem entender o povo já gostava,
porque, além de tudo, ninguém gastava nada além de energia pra se perfumar por
dentro... Nem precisava de tinta pra pintar o sangue, já vermelho... E, com
prazer, descobria a própria pele como uma roupa feita sob medida... Fazendo
bobagens, estavam deixando de ser bobos. Crianças crescidas, mas como frutas
colhidas antes do tempo, só agora amadurecendo. Descobrindo-se parte da
natureza... Que sustenta a si mesma...
Camila Sousa de Almeida
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